It – A Coisa
Enquanto escrevo estas linhas, as notícias são de que o filme It – A Coisa está quebrando recordes, como o de maior venda de ingressos para um filme de terror em sua estreia, e o de maior bilheteria de um filme para maiores de 18 anos em seu primeiro fim de semana de exibição. São ótimas notícias, pois o filme é realmente bom e merece tudo isso.
Baseado em um dos primeiros livros de Stephen King, A Coisa não só assusta como traz doses equivalentes de drama e de alívio cômico em suas 2h30 de duração. O livro, por sua vez, possui mais de mil páginas e conta uma ambiciosa história que se passa em duas épocas, enfocando um grupo de crianças que enfrenta uma ameaça sobrenatural em uma cidadezinha do interior dos EUA, e que precisam se reunir 27 anos depois, quando a entidade volta a atacar. O filme optou por contar apenas a parte das crianças, deixando o resto da história para a continuação, a ser lançada no futuro.
Eu sou um admirador da obra de Stephen King, e como muitas pessoas eu o conheci através das adaptações de seus livros para o cinema. Porém, acredito que há vários casos em que os cineastas conseguiram fazer um filme melhor do que o livro que tinham em mãos. O excelente Conta Comigo, por exemplo. E o que o diretor argentino Andy Muschietti mostra em It é justamente que aprendeu a lição assistindo às outras adaptações de King. O resultado de seu trabalho é uma sequência de acertos, cena após cena.
Um dos motivos para isto é a compreensão de que a tal Coisa, que se apresenta sob várias formas, é uma espécie de metáfora. É algo que se alimenta do medo de suas vítimas, sempre surgindo somente após ter criado uma atmosfera propícia para sua aparição. E fica justificada a sua preferência por crianças, cuja fértil imaginação as faz ver terríveis ameaças em um quarto escuro, em um quadro, ou em um palhaço, por exemplo.
Aliás, o palhaço Pennywise, aqui interpretado por Bill Skarsgard, já era aguardado como o grande destaque do filme, evocando a interpretação do Coringa de Heath Ledger e a de Jack Nicholson em O Iluminado. Porém ele não é o único, pois o elenco infantil também é ótimo, com destaque para o divertido Finn Wolfhard (também presente na série Stranger Things).
Voltando à história, A Coisa tem início quando o pequeno George Denbrough é devorado pelo monstro, na icônica cena do bueiro, que aqui termina de forma bastante gráfica. Bill, seu irmão mais velho, fica obcecado em descobrir o que aconteceu com o garoto. Mais tarde ele se une a outros seis jovens (entre eles, uma menina) que têm, em comum, além do fato de sofrerem bullying pelo valentão da escola e da humilhação nas mãos de pais violentos/controladores, a sensação de estarem sendo assombrados por algo terrivelmente monstruoso e sobrenatural.
A atmosfera, portanto, é hostil para todos aqueles personagens (inclusive para o bullie Henry Bowers), e o surgimento da tal Coisa parece ser somente uma personificação de todo o ciclo de abuso, em suas diversas modalidades, a que aquelas crianças estavam submetidas. O próprio nome do clube que formam, “o clube dos perdedores”, reflete bem a angústia que precisam encarar todos os dias, dentro de casa e na escola. E a bonita união daquele grupo parece ser o único ponto em que aquelas crianças se sentem fortes e podem demonstrar seus verdadeiros valores.
Ambientado em 1989 (o livro se passava nos anos 50), A Coisa ainda consegue evocar a nostalgia de uma época em que as crianças não passavam o tempo todo na internet e se dedicavam a atividades como andar de bicicleta, ir à biblioteca e construir barcos de papel ou pequenas represas em um córrego.
Com vários momentos realmente assustadores, uma das qualidades do filme é o pouco uso de efeitos digitais, optando preferencialmente por truques mecânicos, como eram feitos os filmes nos anos 70 e 80 (vide O Exorcista). E a minha cena preferida é o ataque de mortos-vivos no esgoto, que dura poucos segundos, mas é terrível!
O roteiro também consegue resgatar grande parte da história macabra da cidade, que parece carregar uma maldição antiga e que remete a desde antes de sua fundação, o que contribui para aumentar, ainda mais, a atmosfera sombria e ameaçadora em que aqueles personagens transitam – como se não houvesse nenhum lugar para se esconder ou fugir.
Mas, acima de tudo, A Coisa não é tanto um filme DE terror. É mais um filme A RESPEITO do terror, e de como somos obrigados a conviver com ele, principalmente enquanto somos crianças, quando estamos tão submetidos às decisões dos adultos, de modo geral. Contudo, o filme também demonstra que, se procurarmos bem, podemos encontrar – dentro de nós ou em outras pessoas – alguns itens valiosos como a amizade, o romance, o humor, a aventura e, enfim, várias armas indispensáveis para sobrevivermos às inúmeras ameaças que nos assombram, dia após dia, na assustadora jornada da vida real.
Portanto, A Coisa acaba indo muito além do que um filme comum do gênero costuma entregar. É uma obra mais profunda, que retrata o fim da infância e aborda temas pesados como a dor, o luto, a perda da inocência, o abuso e a violência, mas sem deixar de dar espaço para a esperança, abordando também o lado doce e os pequenos prazeres da infância e da adolescência.
It- A Coisa
Classificação: (5 / 5)