A sedução poética dos mitos
Antes de escrever sobre esse tema me perguntei bastante se deveria. Nos últimos tempos tenho procurado não discutir assuntos que beiram a política porque… Bem… Porque até para o que beira política o ambiente está inóspito.
No entanto, estamos fevereiro de 2018 e parece que este ano será difícil mesmo. Assim, já que é pra ser complicado, falemos de reinações políticas, mas sem falar diretamente de política. Afinal, o ar anda rarefeito nessas terras.
Há, em alguns dos versos de Mensagem, de Fernando Pessoa, todo um desespero em forma de desejo. O desejo é a volta do rei Dom Sebastião. Explico: No ímpeto de aumentar o reinado português, proteger aliados da coroa e expandir a bandeira do cristianismo, o rei Dom Sebastião de Portugal, no ano 1578, parte para uma batalha no norte da África, região do Marrocos, chamada batalha de Batalha de Alcácer-Quibir.
Mas Dom Sebastião desapareceu. A partir disso, tornou-se lenda e por fim adquiriu status messiânico. Embora seja provável que tenha morrido, desencadeou uma onda de misticismo em solo português.
Ainda há, como nas melhores histórias de monarquia, diversos problemas com relação à linha sucessória de um reinado cujo regente não deixa descendentes diretos. Após o sumiço de Dom Sebastião seu tio, um cardeal já velho e sem descendentes, assumiu. Não durou muito, cerca de dois anos. Depois disso, o reino de Portugal foi disputado por diversos nobres da Europa até que Felipe II, rei espanhol, assumiu o trono unindo assim os dois territórios e se tornando rei também de Portugal.
O mito do sebastianismo se criou na cultura lusitana como o daquele homem que traria a glória novamente para Portugal e o místico Quinto Império. Essa ideia permeia boa parte da Literatura Portuguesa. Está nos sermões do Padre António Vieira – que merecem grande destaque– e nos versos de Fernando Pessoa.
Mensagem foi um dos primeiros livros publicados de Fernando Pessoa, em 1934. Ganhador do prêmio Antero de Quental, o livro é dividido em três partes que representam o nascimento, a realização e a morte do Império Português. Composto por versos belíssimos, a obra relembraum passado heroico de Portugal clama pela volta daquele que faria do solo lusitano o Quinto Império.
Pessoa é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores poetas da língua portuguesa e qualquer elogio rápido que eu faça não fará jus ao gênio que foi. Os versos d’ A Tabacaria falam por si só. Outro dia, com certeza, falarei especificamente de Pessoa.
O mito do sebastianismo também apareceu em solo brasileiro, claro. Não conheço toda a literatura que envolve esse tema, mas o que me vem à mente é a linda obra de Ariano Suassuna A Pedra do Reino, que faz menções claras à volta do rei e ao Quinto Império. Também aparece nas profecias de Antônio Conselheiro, o místico que liderou a Revolta de Canudos e cujo massacre é narrado por Euclides da Cunha em Os Sertões.
O problema do sebastianismo é que ele fica muito bonito no papel, ainda mais quando um grande artista discorre sobre ele. Mas na vida real, no dia a dia, é um sinônimo da esperança desesperada. É a crença de que um ser humano salvará toda uma nação (quiçá a humanidade). Um ser humano que não é e nem pode ser um homem. Apostar todas as suas esperanças em um mito não é só arriscado, mas catastrófico.
Na melhor das hipóteses você continuará esperando. Na pior, irá querer justificar qualquer absurdo que um homem possa fazer para trazer um suposto Quinto Império. Império esse que consta somente na sedução retórica de um passado ideal, que não passa de ilusão. Ilusão porque o passado sempre parece melhor do que realmente foi; a lente da memória seletiva pode pregar essas peças. Há coisas que são melhores se deixadas apenas no campo da poesia, o sebastianismo é uma delas.
Sobre Mensagem, com poemas magníficos, prefiro exercer meu direito de edição de leitora de poesia e atribuir significado ao que me convém. Posso transformar essa fé cega por Dom Sebastião numa esperança maldita de que as artes farão do mundo um lugar melhor. Por fim, é fundamental lembrar que também nessa obra estão os conhecido e versos do trecho de Mar Português, clichês e ainda tão comoventes.
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
[Fernando Pessoa em Mensagem]*
*Toda a obra de Fernando Pessoa está em domínio público